TRABALHADOR MARÍTIMO E O VISTO DE TRABALHO
Autor: RAMOS COSTA advocaciaÉ sabido que qualquer cidadão que pretenda entrar em território estrangeiro deverá portar passaporte e, dependendo da relação entre o país de origem e o de destino, um visto apropriado de entrada.
No Brasil, a Lei 13445/17 (Estatuto do Estrangeiro) diz em seu artigo 6º que “o visto é o documento que dá a seu titular expectativa de entrada em território nacional.” Sendo assim, a princípio, todo estrangeiro que queira entrar no Brasil deverá requerer o visto.
Ainda de acordo com o Estatuto do Estrangeiro, se o viajante encontra-se na condição de turista, deverá requerer o visto de visita (art. 13, I); por outro lado, se vai trabalhar no país, o visto deve ser o temporário de trabalho (art. 14, I, “e”).
Do ingresso do trabalhador marítimo estrangeiro em território nacional
E o que diz a Lei quando o trabalhador marítimo ingressa no Brasil?
Imaginemos, por exemplo, o tripulante de um navio de cruzeiro, que em uma mesma viagem visita diversos portos estrangeiros. Este trabalhador marítimo estaria obrigado a apresentar um visto temporário de trabalho para cada país visitado pela embarcação?
Pensando agora em um navio de carga dedicado à navegação de longo curso (aquela que se faz entre portos de diferentes países); este navio tem escala prevista em um porto nacional apenas para reabastecimento, entretanto, por algum problema mecânico, ficará ancorado por 30 dias. Esses marítimos estariam obrigados a permanecer dentro do navio, por 30 dias, por não possuírem um visto de entrada?
A partir dos exemplos acima, percebe-se a necessidade de um tratamento legal diferenciado com relação às questões de entrada do trabalhador marítimo em país estrangeiro.
A Convenção n. 185 da OIT e o SEAMAN`S BOOK
Ciente dessas questões, a Organização Internacional do Trabalho editou a Convenção n. 185 para tratar, especificamente, das questões relacionadas à documentação do trabalhador marítimo estrangeiro. Diz em seu art. 2º:
“Todo Membro para o qual esteja em vigor a presente Convenção deverá expedir a todos seus nacionais que exerçam a profissão de marítimo, e apresente o requerimento correspondente, um documento de identidade da gente do mar conforme o disposto no artigo 3º da presente Convenção.”
O documento a que se refere a Convenção é o chamado SEAMAN´S BOOK, uma espécie de Carteira de Identidade Internacional dos marítimos.
A OIT prevê, também, que todo Membro deverá facilitar ao máximo a entrada em seu território do trabalhador marítimo que apresente o SEAMAN´S BOOK, independentemente, da titularidade de um visto.
Em outras palavras: aos marítimos, para o ingresso em território estrangeiro, seja para exercer seu trabalho a bordo da embarcação, seja para desembarque em terra enquanto durar a estadia do navio, bastará a apresentação do SEAMAN´S BOOK, estando dispensado da apresentação do passaporte.
Polícia Federal e a Autuação das Empresas de Navegação
O Estatuto do Estrangeiro, seguiu a proposta da OIT de facilitar a vida da gente do mar e previu em seu art. 14, § 7º:
“Não se exigirá do marítimo que ingressar no Brasil em viagem de longo curso ou em cruzeiros marítimos pela costa brasileira o visto temporário de que trata a alínea “e” do inciso I do caput, bastando a apresentação da carteira internacional de marítimo, nos termos de regulamento.”
O problema, como se pode observar, é que a norma acima contempla apenas o trabalhador marítimo empregado em embarcações de longo curso e de cruzeiro, não trazendo qualquer previsão com relação aos empregados na navegação de cabotagem, apoio marítimo e apoio portuário.
A omissão legislativa, a princípio, se justifica, pois, a navegação de cabotagem, o apoio marítimo e o apoio portuário realizam-se dentro do território do país, não havendo necessidade do ingresso de embarcações/tripulação estrangeiras. Entretanto, no Brasil, mesmo na cabotagem e na navegação de apoio, constata-se a presença de tripulantes estrangeiros.
Isso se dá porque, como bem destacado por Eliane M. Octaviano Martins em seu Curso de Direito Marítimo, Vol. 1, há significativa escassez de embarcações especializadas em determinados segmentos da navegação. Para driblar essa escassez, as empresas nacionais têm que afretar embarcações estrangeiras, tripuladas por marítimos estrangeiros, tendo em vista que, na grande maioria dos contratos de afretamento, a responsabilidade pela tripulação é do proprietário/armador.
O fato é que há um grande número de marítimos estrangeiros na navegação de cabotagem e de apoio em águas jurisdicionais brasileiras e a Polícia Federal, com fundamento no art. 6º do Estatuto do Estrangeiro, tem autuado as empresas de navegação, mesmo quando o trabalhador marítimo apresenta o SEAMAN`S BOOK.
Antes de 2017 as autuações eram mais numerosas, pois, na vigência do antigo Estatuto do Estrangeiro (Lei 6815/80), nenhuma das categorias de marítimo estava, expressamente, dispensada de visto. Se hoje as autuações recaem sobre a navegação de cabotagem, apoio marítimo e portuário, até 2017 elas atingiam, também, os transportadores de longo curso e os cruzeiros marítimos.
Mandado de segurança contra a violação dos direitos dos marítimos estrangeiros
O remédio contra essas autuações é a impetração de mandado de segurança. Fundamentando-se na violação de direito líquido e certo dos marítimos, o impetrante deve requerer o reconhecimento da nulidade da autuação dos marinheiros, além da suspensão da obrigatoriedade da multa aplicada.
Importante: a jurisprudência tem se consolidado no sentido de que os marítimos estrangeiros, independentemente do tipo de navegação, estão dispensados do visto.
O fundamento, não bastasse a Convenção n.185 da OIT, encontra-se na Constituição Federal, art. 178, § único:
“Na ordenação do transporte aquático, a lei estabelecerá as condições em que o transporte de mercadorias na cabotagem e a navegação interior poderão ser feitos por embarcações estrangeiras.”
O transporte aquático de mercadorias está ordenado pela Lei 9537/97, regulamentada pelo Decreto 2596/98. Não encontra-se na Lei exigência de visto para os marítimos estrangeiros, sejam eles empregados em longo curso, cruzeiros marítimos ou cabotagem. Portanto, se a lei especial 9537/97, que trata do transporte aquaviário, não exige o visto temporário de trabalho, não cabe exigi-lo com fundamento no Estatuto do Estrangeiro (lei geral de imigração).
Conclusão
O que deve nortear qualquer conclusão sobre o tema é que o ingresso do marítimo estrangeiro não é uma questão de imigração. Os marítimos que ingressam no Brasil não têm intenção de imigrar; a entrada no país é de caráter transitório e seu trabalho é exercido, exclusivamente, no interior da embarcação.
Portanto, considerando que a Convenção da OIT, assinada e promulgada pelo Brasil, dispensa a exigência de visto aos marítimos estrangeiros portadores de SEAMAN´S BOOK; considerando que a Lei especial que trata da matéria não exige visto de entrada para esses trabalhadores, resta claro que sua entrada deve ser facilitada ao máximo. Não há justificativa legal para a autuação dos marítimos que ingressam no país, “apenas”, com o SEAMAN`S BOOK.