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AGÊNCIA MARÍTIMA E O IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO

Autor: RAMOS COSTA advocacia

O Comércio Exterior é uma atividade complexa, na qual há a participação de diversos agentes. Para que se efetive a importação de uma mercadoria estrangeira atuam o importador, o exportador, o transportador, o agente de carga e a agência marítima. Havendo tantos agentes, como identificar o responsável pelo imposto de importação?

A princípio, conforme estipula o Decreto Lei 37/66 que trata do imposto de importação, contribuinte será o importador (art. 31, I) e responsável tributário será o transportador (art. 32, I). Fazendo uma analogia, é como o patrão que recolhe o IR do empregado na fonte, onde contribuinte é o empregado mas o responsável pelo pagamento é o patrão.

Da equiparação da agência marítima ao transportador

Com a responsabilização do transportador, surgiu o problema para a agência marítima. Tendo em vista a dificuldade do Fisco para cobrar os transportadores – empresas de grande porte com sede no estrangeiro -, têm-se optado pela via mais fácil: equiparar a agência marítima ao transportador e responsabilizá-las pelo crédito tributário.

De pronto, insta afirmar que essa equiparação não se sustenta, seja pela ótica do Direito Marítimo, seja pela do Direito Tributário. Da análise sistemática dos artigos 121, II e 128, ambos do Código Tributário Nacional, conclui-se que a responsabilização de 3º depende de disposição expressa de lei e de sua vinculação ao fato gerador da respectiva obrigação.

A agência marítima não está vinculada ao fato gerador, tendo em vista que, sua atividade limita-se à prestação de apoio logístico-administrativo ao navio estrangeiro, enquanto em território nacional.

Dentre as atividades realizadas pela agência marítima podemos citar:

  • Despacho de chegada e saída do navio;
  • Assistência ao comandante;
  • Transporte de tripulantes do navio para o aeroporto e vice-versa;
  • Contratação de auxiliares nas manobras de atracação e desatracação (rebocadores, práticos e amarradores);
  • Compra de suprimentos para a embarcação;

Ora, considerando que as agências marítimas não interferem no processo de importação, bem como, sua renda não advém da entrada das mercadorias estrangeiras no país, não há justificativa que sustente sua responsabilização pelo crédito tributário advindo da importação. Se não auferiu vantagens, não pode ser responsabilizada pelos tributos que incidem sobre os ganhos decorrentes da atividade.

Deixando claro que a agência marítima não está equiparada ao transportador, o extinto Tribunal Federal de Recursos, em decorrência de uma questão recorrente no âmbito do Direito Marítimo,  editou a Súmula 192:

“O agente marítimo, quando no exercício exclusivo das atribuições próprias, não é considerado responsável tributário, nem se equipara ao transportador para efeitos do Decreto-Lei 37, de 1966.”

 

Da autuação das Agências Marítimas pela Receita Federal

Infelizmente, em que pese a clareza da referida Súmula, tem ocorrido um grande número de autuações fiscais impostas às agências marítimas pela Secretaria da Receita Federal.

Ocorre que a Súmula 192 foi editada em novembro de 1985. Em 2001, o Poder Executivo publica a MP 2158-35/01, dando nova redação ao § único, do artigo 32, do Dec. Lei 37/66, determinando que o representante no País, do transportador estrangeiro, é responsável solidário pelo imposto de importação.

Considerando que o artigo 121 do CTN estipula que o responsável tem sua obrigação decorrente de disposição expressa em lei; considerando o entendimento, equivocado, de que a agência marítima é a representante no país do transportador estrangeiro; considerando que a responsabilidade solidária do representante decorreu de lei – no caso uma Medida Provisória – a Receita vem autuando as agências marítimas e cobrando delas o imposto decorrente da atividade de importação.

Primeiramente, cumpre destacar que o Direito Marítimo deixa claro que a agência marítima, ao contrário do entendimento que vem sendo empregado pela Receita Federal, não é representante do transportador estrangeiro no país. Como já dito, essas pequenas empresas prestam um serviço de apoio logístico-administrativo em território nacional aos navios.

A interpretação mais correta é a de que o representante seria a filial no país da empresa de navegação estrangeira. É comum que as empresas estrangeiras de navegação de longo curso tenham filiais em diversos países, tendo em vista, a natureza de sua atividade residir no transporte internacional de mercadorias. Constituindo as filiais mesmo grupo econômico, não há dúvidas de que seriam solidariamente responsáveis pelos tributos que possam incidir na sua atividade.

Assim, as filiais seriam as verdadeiras representantes do transportador estrangeiro, não a agência marítima. É certo que essas filiais exercem as mesmas atividades da agência marítima mas com estas não se confundem, pois, enquanto aquelas fazem parte do mesmo grupo econômico, estas são empresas autônomas e independentes, podendo atender diversos transportadores.

 

A responsabilização das Agências Marítimas é inconstitucional

Por outro lado, mesmo que o Direito Marítimo admitisse a agência marítima como representante do transportador, sua responsabilização, com fundamento na citada Medida Provisória, não seria possível, pois, contêm vícios formal e material.

Com relação ao vício formal, resulta do fato de que a CF prevê, em seu art. 146, III, que matéria tributária é de competência de lei complementar. Quando o CTN diz, em seu artigo 121, que a figura do responsável tributário decorre de disposição expressa de lei, a partir de uma interpretação sistemática, conclui-se que, em obediência à CF, está referindo-se à lei complementar. Dessa forma, como as MP´s têm status de lei ordinária, atribuir responsabilidade tributária por meio de MP resulta em inconstitucionalidade por vício formal.

Com relação ao vício material, ao responsabilizar, solidariamente, as agências marítimas, o Dec. Lei 37/66 desrespeita os princípios do não confisco e da capacidade contributiva.

Diz a Constituição em seu art. 150, IV, que é proibido utilizar tributo com efeito de confisco. Em outras palavras, o tributo não pode ser tão elevado a ponto de inviabilizar a manutenção da empresa. Nestes casos, tendo em vista o pequeno porte das agências marítimas, o valor do imposto tomaria grande parcela do seu patrimônio, inviabilizando até mesmo a continuidade de sua atividade econômica.

Já no artigo 145, § 1º, a Constituição prevê que os impostos serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, respeitados o patrimônio, os rendimentos e a sua atividade econômica. A equiparação da agência ao transportador desrespeita o princípio da capacidade contributiva, na medida em que o tributo deveria observar e respeitar a renda auferida com a atividade tributada e o patrimônio de quem é tributado. A diferença entre o patrimônio de quem explora um ou mais navios recebendo frete (transportador) e de quem presta serviço de apoio logístico aos navios (agências marítimas) é notória; o frete é, normalmente, 100 vezes maior do que a taxa de agência.

A renda obtida com o agenciamento do navio, chamada de agency fee, gira por volta de R$ 2.500,00. Não há como negar que o valor do imposto é muito maior do que a renda obtida pela agência marítima. Dessa forma, bastaria à agência provar o quanto recebeu pelo serviço, para que restasse configurado o caráter confiscatório do imposto e o desrespeito à sua capacidade contributiva, livrando-se, judicialmente, da responsabilidade pelo tributo.

Em que pese todos os argumentos aqui expostos, é fato que a Receita Federal continua autuando as agências marítimas, valendo-se de uma interpretação equivocada da lei, bem como, de uma equiparação entre agenciador e transportador. No entanto, é fato que estas autuações podem ser anuladas na Justiça.

Dessa forma, a agência marítima que venha, por ventura, a ser responsabilizada pelo imposto de importação, deverá buscar seu direito na Justiça, ciente de que um bom advogado marítimo poderá, com fundamento na lei e na jurisprudência, anular a autuação recebida e impedir a cobrança do imposto.