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PL 2456: FIM DA EXIGÊNCIA DE TRIPULAÇÃO NACIONAL PARA EMBARCAÇÕES EM ÁGUAS BRASILEIRAS

Autor: Marcus Ramos Costa

Exige-se dos armadores nacionais e das empresas brasileiras de navegação, que componham a tripulação de suas embarcações com uma quota majoritária de aquaviários nacionais. Essa obrigatoriedade vale para embarcações nacionais e estrangeiras. No caso das estrangeiras, quando estiverem operando em AJB (águas jurisdicionais brasileiras) em caráter permanente.

A origem desta obrigatoriedade repousa na CLT, especificamente no capítulo que trata da “Nacionalização do Trabalho”; mais especificamente, nos arts 352 e 354. Da leitura cumulada desses dois artigos, conclui-se que as empresas brasileiras deverão reservar 2/3 de suas vagas para trabalhadores brasileiros.

Seguindo esta tendência, já no art. 359, a CLT determina, expressamente, que a proporcionalidade de 2/3 de brasileiros aplica-se à tripulação das embarcações nacionais. Pode-se dizer que equiparou embarcação à empresa e tripulação ao quadro de empregados.

Influenciada pela lei geral das relações de trabalho, a legislação esparsa, que regulamenta a atividade marítima, reforçou a necessidade de se reservar uma quota majoritária para empregados brasileiros na tripulação das embarcações. É certo que, a depender da atividade marítima, a proporção exigida de trabalhadores brasileiros varia. Por exemplo: nos navios de cruzeiro exige-se, apenas, 25% de brasileiros na composição da tripulação.

A Lei 9432/97, que regulamenta o transporte aquaviário,  seguiu a CLT e impôs às embarcações brasileiras que o Comandante, o Chefe de Máquinas e 2/3 da tripulação sejam formados por brasileiros. Entretanto, caso a embarcação seja registrada no REB (registro especial brasileiro), não precisará atender a proporcionalidade celetista, estando apenas obrigada a ter comandante e chefe de máquinas brasileiros. O REB está regulamentado pelo Decreto 2256/97.

A RN nº 5 do CNIG (conselho nacional de imigração), que trata do trabalho a bordo de navios de cruzeiro pela costa brasileira, exige que a partir do 30 dia de operação em águas brasileiras haja, pelo menos, 25% de brasileiros na tripulação.

A RN nº 6 do CNIG (conselho nacional de imigração) ao tratar da chamada de profissionais estrangeiros para trabalhar a bordo de embarcação, ou, plataforma estrangeira, quando em operação em AJB em caráter permanente, seguiu a proporcionalidade exigida pela CLT. Contudo, confere às empresas um período de transição até que a proporcionalidade seja atingida. Por exemplo: exige-se das embarcações de apoio marítimo, que operem em AJB por noventa dias, a proporcionalidade de 1/3 de trabalhadores brasileiros; a partir de 360 dias de operação no Brasil, deverão alcançar a proporcionalidade de 2/3 de brasileiros.

O Decreto 64618/69 prevê que embarcação pesqueira nacional deve observar a proporcionalidade prevista na CLT. Já a Lei 11.380/06, exige das embarcações pesqueiras estrangeiras, quando arrendadas ou afretadas por empresas brasileiras, que atendam a proporcionalidade de 2/3, bem como, Comandantes e Chefe de Máquinas brasileiros.

Não há dúvidas: exigir tripulação formada por 2/3 de aquaviários brasileiros nas embarcações operando em àguas brasileiras, constitui verdadeira reserva de mercado. Como demonstrado, a obrigatoriedade de quota parte majoritária está prevista em diversas legislações relacionadas à indústria marítima.

Não há justificativa no mundo globalizado, onde investimentos fluem de maneira dinâmica à procura das melhores oportunidades, para esta limitação à liberdade de escolha da tripulação de uma embarcação. O caráter internacional da navegação e do transporte marítimo impõe, às legislações nacionais, a inserção dentro de um sistema de práticas mundiais, sob o risco de perder competitividade.

A reserva de quota parte para trabalhadores brasileiros em empresas de navegação e em embarcações nacionais, em confronto com as especificidades da navegação brasileira, resta ainda mais descabida e prejudicial ao desenvolvimento do setor. Sabe-se que no Brasil, devido a total falta de embarcações nacionais, a grande maioria das empresas operam com embarcação estrangeira. Essas embarcações, pertencentes à armadores estrangeiros, têm, obviamente, tripulações estrangeiras.

Portanto, considerando as disposições da CLT, bem como, das legislações esparsas sobre a matéria, para operar no Brasil, essas embarcações deverão substituir os tripulantes estrangeiros por nacionais, até que se atinja, à medida que se estende a operação em AJB, a proporcionalidade  de 2/3 de brasileiros na tripulação.

Além do prejuízo econômico e de competitividade, esta proteção ao trabalhador brasileiro também é fortemente contestada juridicamente, sob a alegação de que seria contrária à garantias de igualdade prevista na Constituição Federal e em Convenções Internacionais assinadas pelo Brasil. Neste sentido podemos citar o art. 5º, caput e inciso XIII da CF/88 e os artigos 1º e 2º, da Convenção nº 111 da OIT, promulgada pelo Decreto nº 62.150/68.

Diz o art. 1º da citada Convenção:

  1. Para fins da presente convenção, o termo “discriminação” compreende:
  2.     a) Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão;

Logo após definir o termo discriminação, já em seu artigo 2º, como podemos observar da transcrição abaixo, a Convenção da OIT refere-se à necessidade de se promover a igualdade em matéria de emprego:

Qualquer Membro para o qual a presente convenção se encontre em vigor compromete-se a formular e aplicar uma política nacional que tenha por fim promover, por métodos adequados às circunstâncias e aos usos nacionais, a igualdade de oportunidade e de tratamento em matéria de emprego e profissão, com objetivo de eliminar toda discriminação nessa matéria.

 

Como foi possível observar, seja por questões econômicas, seja por questões jurídicas, a obrigatoriedade de se reservar vagas para trabalhadores brasileiros, na tripulação de embarcação em águas jurisdicionais brasileiras, é extremamente controversa e alvo de severas críticas.

Atento a este estado de coisas e procurando conformar os princípios internacionais de não discriminação com proteção à mão-de-obra nacional, o Congresso Nacional aprovou, recentemente, o Projeto de Lei nº 2456/19.

O PL 2456/19 prevê o fim da obrigatoriedade da quota majoritária de empregados brasileiros nas empresas nacionais e, em contrapartida, estabelece tratamento diferenciado à empresa que, voluntariamente, observar a proporção de 2/3 prevista no art. 354, da CLT.

Como visto, toda a regulamentação dedicada à indústria marítima nacional seguiu a CLT e reservou, nas diversas áreas da navegação, uma quota majoritária de brasileiros na tripulação que opere em águas brasileiras. Dessa forma, espera-se que as alterações previstas no citado Projeto de Lei tragam efeitos positivos e imediatos à indústria nacional como um todo e ao setor marítimo em particular.

A tendência é que, em um breve futuro, os armadores nacionais e as empresas brasileiras de navegação estarão liberados para compor a tripulação de suas embarcações como bem lhes aprouver. Por outro lado, ao armador que, voluntariamente atender a proporção de 2/3 de aquaviários brasileiros, será conferido tratamento diferenciado junto ao Poder Público.

O PL 2456/19 trouxe grandes expectativas para a “indústria do mar”. Sua aprovação coloca o Brasil em consonância com as economias mais dinâmicas e globalizadas do mundo, na medida em que valoriza a livre iniciativa e a livre concorrência. Ao mesmo tempo, protege o trabalhador nacional, estabelecendo tratamento favorecido às empresas que, por iniciativa própria, reservarem quotas para empregados brasileiros.